
Dia após dia,
o desejo poetiza,
escandaliza,
culpa os poros.
O desejo não pode parar.
Entre o verme e o vírus,
entre o cerne e a música,
o desejo contabiliza suas vítimas.
Homem. Mulher.
Homens não param,
avançam,
endurecem,
dilatam pupilas,
rasgam tudo com seus troncos desejos.
Animais, ânimas,
almas colhedoras de paixão,
homens avessam-se,
retorcem-se nos quadris,
nos quadros,
nos Goyas das fêmeas
e de outros machos,
que o desejo não enxerga o caminho.
Anda apenas.
O desejo no homem requer furor,
faca,
focinho de cavalo e rato.
O desejo no homem não é difícil,
não é Sartre ou Heidegger.
É Napoleão, Alexandre, César.
Nada de Pilatos, nada de fraquezas,
muros,
o desejo no homem é veneno,
vento,
mais que janela,
porta, portal de saída branca,
múltiplo, viscoso, rápido, réptil.
O desejo nos homens carcome por dentro e por baixo.
Não se eleva, não sublima, não discute.
Quer, requer.
Expele, espora.
Galo, ginete, fogo.
O desejo no homem consome,
desgasta, desgosta,
foge para se esconder entre pernas inéditas.
O desejo no homem macula,
pagina,
confere aspereza e prazer.
Não mede, não acaba, não sossega.
O desejo no homem desenha suicídios e nascimentos.
Mulheres são calabouços,
poços artesianos de desejo.
Recôndito, ermo, distância.
Sempre uma camada abaixo,
sempre-viva, Medusa, Medéia.
O desejo na mulher desopila, fundamenta.
Concreto armado em nuvem.
O desejo na mulher é lento,
quente, ferve vermelhos,
martela a carne até que o diamante se exale num espasmo.
O desejo na mulher se iguala em ventre,
em vértice, em sombra,
quando feito por outra mulher,
mas descasca-se em bétula,
dália, lápide, quando visitado por homem.
O desejo na mulher vasculha,
vasilha, varre facilidades.
Ulisses em Joyce.
Cantos em Pound.
Farol em Virginia,
o desejo na mulher não tem superfície.
Palavra. Letra. Onomatopéia.
Inversão administrada por noites e violoncelos.
Sempre coberto, sempre interno,
o desejo na mulher liberta-se pouco
porque sabe que seu vôo é um assalto violento,
um susto cardíaco.
Uma catástrofe de alegrias.
O desejo na mulher é semeado em contrários.
Peca e confessa.
Resguarda-se e trai.
Concede-se e vende-se.
Esquina e curva.
O desejo curva-se a si mesmo.
Corta-se no caos.
Chove enquanto estia-se nas planícies do ventre.
Esteira profana, o desejo na mulher deita-se, sem dormir jamais.
® Rubens da Cunha
Ilustração: Pilar Hinojosa