28 abril 2008

Breve 1

João fez duas promessas. Uma delas impossível de cumprir. Maristela chora no altar. Cleide é mundanamente penetrada no motel da esquina.

22 abril 2008

Unofamília – Breve história de amor

A mãe meditosentada na cadeira. Nua. O pai mongevestido, servindo saladas.
- Limão, querida?
- Não, em homenagem ao Alfredo que não gostava de limão.
Comem à cabeceira da mesa. O pai acaricia a testacadáver do filho.
- Por que a morte gela a carne querida? A batata não cozinhou o suficiente, desculpe querida.
- Por que será que o matamos? Não haveria outra solução. Ele está bonito, me passa o almeirão, parece tão tenro.
- Quem? Alfredo ou o Almeirão?
- Os dois. E se os comêssemos?
- Somos vegetarianos, querida, não podemos comer carne. Princípios são princípios.
- O que vamos fazer, será que não vão perguntar por ele?
O pai passa a lavar os pratos.
- Creio que não querida, Alfredo não era um homem que despertasse perguntas, todos só lembravam dele quando o viam, não o vendo, não haverá perguntas.
- E os restos deste corpo, o que faremos? A carne logo desaparecerá, mas e os ossos, se pelo menos o Rex estivesse por aqui.
- Se Rex estivesse vivo, Alfredo estaria vivo, querida.
A mãomãe alisa a nudezmorte de Alfredo.
- Meu filho, matá-lo foi um bem, aquele seu ato, aquele ensopado. Era o Rex, Alfredo, o cão, a reencarnação de nosso mestre Chenrezig, comê-lo ensopado! E pior, exigir que comêssemos também, Alfredo!
A mãe sexosenta-se sobre o corpo do filho. O pai dedotoca-se. Olham-se amorosos.
- Isso, querida, convença-se, acredite, ele estava descontrolado. Apontou-nos uma arma. Não tivemos escolha.
E gozamvivem a noite toda. Ora a mãe, ora o pai voampesam sobre a pélvis gélida de Alfredo.
Amanhecem entre restos de cenouralface.
A mãe num sustogrito:
- O que você fez com Alfredo?
O pai olhacorda-se. Desespera-se. Alfredo não está.
- Como pode, querida. Ele estava aqui, amamos Alfredo a noite toda, quando cansamos, dormimos aqui. O que aconteceu?
A porta se abre. Alfredo vemfeliz da cozinha.
- Mãe, Pai, fiz o desjejum para vocês, em agradecimento por terem me trazido de volta. Foi o amor carnal de vocês que me fez retornar à vida.
Pai e mãe mantrajoelhados, em transe de adoração. Alfredo prepara a mesa. Pratos. Talheres.
- Sentem-se meus amores, preparem-se para o banquete. Vocês precisam de muita proteína para me amar todas as noites. Só assim continuarei vivo.
E Alfredo trouxe de entrada, peludopatinhas assadas. Após, pratoprincipal, um ensopado agridoce com a parte mais nobre da reencarnação de Chenrezig.



Rubens da Cunha

17 abril 2008

P/ Camila,
porque eu e ela precisamos


Ela ardeu
estocou estacou

e disse:
poema agora garoto!
Ela vermelhou minha cara
vegonha não
vermelhou de vontade
de verdade
e febre (que é preciso)
menino
vim ao branco nascer palavras
olha mãe, ficou bonito?
- ficou lindo meu filho, agora vai brincar que a mãe tá ocupada!

08 abril 2008

Ilha

teu corpo
azul em névoa

ilha

porto

naufrágo que sou
voltei a respirar Deus

03 abril 2008

Palavras Emprestadas

Já que alguns amigos apontaram um tom Manoel de Barros no poema abaixo, e eu estou sem palavras esta semana, segue um original manoelino. Meu preferido.

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz:
eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é voz de fazer
nascimentos --
O verbo tem que pegar delírio.

Manoel de Barros in O Livro das Ignorãças