29 novembro 2015

A leitora



É manhã na rodoviária de São Félix.
Ela põe seu vestido amarelo-sol e vai até lá ler a mão dos chegandos e dos indos.

Alguns olham para ela com cara de gado assustado.

Só por que é cigana e muda não pode ler mãos?
Pois saiba que a sua quiromancia prescinde de palavras.

Saiba também que ela gesticula o futuro. É o que basta para mudar um destino.




Ilustração: Antoine Martinez




16 novembro 2015

A espera.

O rio Paraguassu não lhe enche os olhos. Ela está preenchida pela espera.
Pede uma cerveja e dois copos, para disfarçar a raiva.

Olha os turistas:
gente estúpida demais nessa cidade, coisa estranha, esse povo vem pra cá pra ver casa velha e ficar na beira desse rio.

Ela não é estúpida. Escreve no celular: agora não precisa mais vir.
Atravessa a ponte e vai dançar no Flor de Lins.

Lá não tem espera nem disfarce.


03 novembro 2015

Nos trilhos


Ele, um halterofilista tardio, com ralos cabelos cacheados, num louro talvez falso, talvez apenas gasto pelo tempo.
Ela, baixa, ancuda, pernas e barriga de fora. Sente calor e tem o corpo desenhado pelo suor.

E namoram atrás da velha estação ferroviária. Adolescem-se em beijos, afagos.

Ele, sentado, sem camisa, expondo o grande peito liso.
Ela, deitada em seu colo, vendo a metade daquele homem debaixo pra cima.

São corpos simétricos na tarde de sábado.

E beijam-se, ternos e agudos.

E riem da possante inveja dos passantes que não amam.