28 abril 2006

Detalhe

Cama, colchão e travesseiro incolores. Fotos do Rodrigo Santoro nas paredes. A gente se encontra ainda. Um quadro antigo: Sagrado Coração de Jesus, presente da mãe. Algumas roupas novas, doadas pela nova patroa. Maquiagem comprada naquele 1,99 ótimo lá do centro. Três cds do Teodoro e Sampaio, os melhores, os melhores. Uma sandália com a tira arrebentada. Só usei duas vezes, perdi meus dez reais. Calcinhas, meias, camisetas, dois vestidos, uma mini-saia. Eles gostam. Sábado a noite, se põe bonita e sai. Escolhe entre a bolsa preta com fecho estragado, e a branca rasgada no lado. Acessórios são detalhes muito importantes na apresentação de uma mulher. Ouvi isso na televisão. Nunca mais esqueci.
® Rubens da Cunha

27 abril 2006

Negar à palavra seu estômago diário

26 abril 2006

a vida me é um mênstruo de virgem

:
escorrega perna abaixo e não traz alívio

:
me faltam janela e culpa

?




Rubens da Cunha

Ilustraçao: Mário Eloy

20 abril 2006



quase é palavra cheia
é palavra certa
para os meus completos

® Rubens da Cunha
Ilustração: Jacques-Louis David
Azul fora:
finjo demoras,
propriedades.

Escora:
agüento forte
nessa hora de
amanhecer.

Nas veias,
o sangue escória,
e esse pulsar noite-de-ontem
que entontece a certeza.


® Rubens da Cunha

13 abril 2006

O sono amansando as pálpebras.
Na televisão, alguém fala finlandês.

Entremeios.
Viagens ao Pólo Norte.

O desuso do corpo acarreta cansaços fora de ordem.
O gesto de dormir condena a luz.

® Rubens da Cunha
aos que vierem aqui, que a Pascoa vos ressuscite

11 abril 2006

eu ainda que ardo























Quase ontem em mim

Mostro os cabelos fracos
dedos
um peito-musgo fazendo as vezes de muro

Escondo o travor das mãos
o tremor dos lábios
umas palavras contrárias fazendo as vezes de poema

Tenho ainda os joelhos comovidos com a fé
o sexo memorioso de antes de ontem
o paladar amornado nos baixos de alguém

Quase homem em mim

® Rubens da Cunha
Ilustração: Roger Cummiskey

05 abril 2006

Poeta na rede

Beth Candio está na rede.
Trata-se de uma poeta bastante intensa e técnica. Qualidades raras e essenciais aos fazedores do ofício de escrever.

o site da moça é http://www.bethcandio.com

amostra breve

Deciframento de um Enigma emTrês Atos

I
Não me esfinge de enigmas
teu surgimento abrupto de pomba
enluarando mantras minhas noites

Tu antes me decifras onde crostas
Tu antes me devoras onde cravas

II
Não me abisma de quedas
teu desnudar incólume de fera
engravidando sendas meus quereres

Tu antes me resgatas onde nuncas
Tu antes me resguardas onde nadas

III
Não me alpendra de chaves
teu despudor notívago de macho
desencrustando orgias minhas carnes

Tu antes me despertas onde grudas
Tu antes me libertas onde grades

Maria Elizabeth Candio

04 abril 2006

Pericles Prade

Livro: Além dos Símbolos
Ed. Letras Contemporâneas
2003

O que me consola

Acordo-me olho, centro do cosmos, espalhando
sobre as luzes outra luz, a que enalteço
com os fogos desta vela esverdeada.
No livro do profeta escrevi duas orações. A
primeira
é bela com o vaso celta, a segunda horrível
como o seio das amazonas
arrancado e posto nesta taça.
Dependendo do dia,
noto-me alvo ou flecha.
Quando chove em Lisboa não é água
que me renova entre os vitrais
da imaginação desregrada. Amanhã virá
o Eremita, eu sei, nos bolsos o retrato
de judas, o sábio traidor que me consola.

Pericles Prade

Sal


visgo de amor
acreditar em promessas
andanças e vitrines

na garganta,
o falso alimento

nos olhos
o mar de sempre

depois a fome
o vento
uns quartejos de morte
sobrevoando a espera

umas bacias de sal
fazendo as vezes de felicidade

® Rubens da Cunha
Ilustração: Oswaldo Guayasamín