28 setembro 2015

a cegueira


(um texto fantasmo-cortaziano)

dizem que chove no sul e os eclipses lunares não podem ser vistos.

se isso for verdade, é uma cegueira trágica a que se abate sobre as gentes do sul, pois eles não podem ver a cegueira temporária da lua.

parece que eles choram enquanto as nuvens noturnas vertem suas águas, mas isso ninguém diz. 

imagina-se, apenas.







15 setembro 2015

Um chão sob os pés

E caminha na lentidão exigida pelo corpo, os braços meio abertos, arqueados para o alto, nunca pude abaixar meus braços, diz quase entre lágrimas. 

E me pede para ajudá-la a atravessar a rua, tenho medo, mesmo tendo o farol, me diz. 

E esperamos o sinal abrir, eu na expectativa de ser um farol verde capaz de permitir o avanço. Vejo-me tão mais alto, tão mais normal, tão dentro dos espectros. 

E ela fantasma meu corpo são, meu corpo caminhado. 

E o sinal abre, eu lento os passos para acompanhá-la naqueles 23 metros de pista, ela afunda-se sobre o asfalto, segue segura ao meu lado, eu desnivelo-me, asfalto-me naquela rota que não é minha. Estamos chegando.

E os carros, os prédios, os barulhos asfixiam nosso encontro. Tonto me despeço. 

E ela agradece olhando vazios enquanto me olha. 

 



 

02 setembro 2015

A não rasgadura

não rasgue seus cupins
suas carnes nobres

não enfeite seus açougues
com culpas passadiças

não enfrente a vida o soco a fome
a fera que lhe rói os cortes
as antigas cicatrizes
o couropele que lhe cobre

sinta-se saudável
vegetariano

boi feliz nos campos do Senhor
nos pastos da economia
da política

não rasgue seus cupins

minta
paste

viva