19 março 2010

Rins

Fincou dois pregos nos rins.
É um pouco de comiseração, um pouco de estética, me disse.

Passo a língua em suas costas.
É um pouco de ferrugem, um pouco de culpa, lhe digo.

E nos amamos crucificados.
Cristos desnudos sob o olhar dos cachorros da família

Finjo não perceber que a frieza do metal me perturba os mamilos, a boca,
o aparelho de meus dentes, meus olhos não pregados.

Ri. Pede mais um pouco de atenção e saliva.
Mistura aqui com esse sangue, me diz.
E se espreme, se exprime em carne viva, bem onde os pregos entraram.

E me filtra com seus rins pregados.

Vou fazer falta, ameaço.
Ri.
O mijo morno adorna os cantos da cama.
Cárcere líquido.

e dormimos, púrpura, azul,
vazio.

No lugar dos rins, feijões.

10 março 2010

Vazio

o estômago oco
- não fome -
é outro buraco

a auréola perdida

pescoço livre
caibro e corda
são esperas

o pão engolido
distrai o abismo

pela janela
um pedaço de sol
destrói a manhã

03 março 2010

Métrica da Pele


o corpo senzala a solidão

tudo reverbera
pérola cama folhas dedos

tudo recende ouro
outro tato testemunha
o dúplice o códice
o vórtice esmigalhado

a métrica da pele
amanhece imprecisa
esquece as saídas
as sombras do dia

e escande-se
gato sorte amor
por sobre os lençóis

e dorme de novo
em noivo silêncio
dentro da luz nua

do futuro



Foto: Amanda Spitzner no Exploding Plastic Inevitable