22 fevereiro 2007

Confissão

Minha avó dizia que precisava ir no médico da pelha. Na fala dos antigamentes pele era esta coisa atravessada por um erro de pronúncia: ora mudo, desimportante, lavável, feito sujeira, ora câncer, mancha, cicatriz desafiadora do sentido.Oferenda ao riso. Minha avó também dizia tu não acardita meu filho e eu não acreditava que a a palavra acreditar pudesse ser tão surpresa, porque nascida daquela boca analfabeta e vinda tão cheia de crença e fé, porque de minha vó nunca tive outra coisa, somente palavras pronunciadas de acordo com sua sabedoria anônima. E eu? Mergulhado que sou no mundo das palavras que coragem tenho para quebrá-las, desritimá-las ao ponto da dor? Pouca, pois o que faço é pensado. Quisera mesmo ser igual a minha avó: dizer o indizível e fazer os netos obedecerem cegamente. Nem filhos tenho para acarditarem em mim ou colherem verdades na minha pelha.
® Rubens da Cunha

21 fevereiro 2007

Palavras Emprestadas 3

Colméia

Vivemos em celas
de cristal,
em colméia de ar!
Beijamo-nos através
de cristal.
Maravilhoso cárcere,
cuja porta
é a lua.


Federico Garcia Lorca
in: Obra Poética Completa
Editora UNB

13 fevereiro 2007

hermoso sangue
conheço teus chifres
como se touro fosses

ou gnu
aqueles da infância africana
que não me foi dada
sinto teus cascos
descascando minhas veias
por isso
tenho o corpo macerado

vincado na beleza


Rubens da Cunha

06 fevereiro 2007

Palavras Emprestadas 2









C. Ronald lançou mais um livro













Afiando a barba e o siso até o cenho
mordo a navalha e o corte. Não recordem
as pregas duvidosas em desordem
nem essa boca rude que mantenho

bem distante do riso. Sombra nova
flui, não recua em cima da distância.
Sou algo mais de dentro para a ânsia:
só folhas soltas, vida antes da prova.

Na sisudez alada dos espelhos
modelo a situação com poeira interna,
não encho meus defeitos com conselhos.

Ah, treme no pavio a falta acesa
do inverno por faltar idéia eterna
(nessa pastagem branca) como presa.
--------------

Melancolia é uma marionete sem tempo o
fenômeno que ferve em solidão chama-se
amor próprio
ego verde no último outono
escolha ligada ao meu sonho
trailer de asas
nessa época alucinada que deixa velho
o contorno da alma
nexo no ruido da porta nexo
no feio nexo na deselegância
nexo em ti
mas que acúmulo de ossada
no encanto

só a manhã seguiu o sol
confundindo o coração por fora
até as pedras nesse reino de solidez
não sabem mentir atiradas
o pó começa a fábula de quem acaba
levando pela mão somente o nada

---------
C. Ronald em "Caro Rimbaud" Para saber mais do poeta vá até a casa dele: AQUI

02 fevereiro 2007

Apontamentos

# Trafego nu entre as esquinas da minha cidade. Se visassem o que tenho dentro, certamente eu trafegaria numa cidade de cegos.

# Ele investiga minhas carnes. Deus queira que descubra.

# Ontem nasceram-me lágrimas: esta violência líquida.

.# Tenho palavras que abrem meus poros. Deixam-me indefeso. Indeciso.

# Quase sempre acredito no que me dizem. Se o dito vier com saliva e suor, sou criaça, semente, azulmanhã.

# O silêncio é um osso entre meus ossos.

Rubens da Cunha

Palavras Emprestadas


ONDE À NUDEZ

Escrevo onde à nudez cabe o papel habitualmente atribu[ido a uma janela. Quando afasto as cores para no lugar delas não deixar senão a luz ou me debruço ao peitoril sobre os meus próprios intestinos, a ficção fica por conta dos relâmpagos. É como se habitasse uma cidade que tivesse um espelho por subúrbios e o mar viesse estilhaçar-se ao fundo da memória, onde se encontra o coração. Abro na página um buraco onde alicerço a casa, as letras vêm às janelas.

Luís Miguel Nava
..... eu também, Nava, eu também......