22 dezembro 2006

Delírio 2


Logo ali nasce o Filho, meu irmão. Sou igual a ele, rarefeito a milagres de vento. Cimento em maldades, extenuações. Não evitamos a lepra desses dias. Meu irmão nascerá ungido. Dizem que morrerá para a salvação de muitos. Eu finjo acreditar em seus desígnios, eu finjo felicidades, que mais não posso. Foi me dado a palavra, a verve ensangüentada da blasfêmia. Tudo o que eu queria era ser fêmea, virgem, inocente no dia do nascimento de meu irmão. Faz parte de meus agouros não gostar do que sou. Saber que neste corpo transitam vontades irresponsáveis, fetos natimortos, abelhas e ovelhas. Meu irmão nascerá sem chorar. Nosso pai não lhe deu o direito. Nosso pai deveria transferir aos outros filhos este poder. Evitaria algumas incomodações futuras.
® Rubens da Cunha
Ilustração. Ariane Bazin

delírio 1

fronteiriço

ouriço sem água

sal

e

demais

delongas

Rubens da Cunha

19 dezembro 2006

subir é um ato de desgraça

prefiro mover-me chão pedra

vermemesmo

assim bem humano
pós coito
coisa
pós parto
peito

descer
até não ser
escolha

11 dezembro 2006

Dia Hoje

hoje não tenho palavra minha,
empresto as do Chico Cesar.
Tenho chorado por coisas semelhantes.
E também por não ser músico.

Tão bonito...


Barco
(chico césar)

choro contigo barco
pela praia que deixas
pelo sol que se deita
longe das pedras do cais
choro contigo barco
´manhã talvez não chore mais

choro meu choro parco
neném que a mãe não mais aleita
choro a caça que espreita
bem perto a mira do algoz
choro catarinetas
´manhã alguém chora por nós

choro saber que
os açudes não são o mar
que não se pode guardar
em alguidares de areia
choro o destino das sereias
e o desatino do astrolábio
choro saber que o homem sábio
pode morrer se não souber nadar

choro contigo e parto
nas ondas vagas incertas
as nossas velas abertas
são ferramentas do caos
chore comigo barco
a sina de todos os naus

08 dezembro 2006

Alice no país das maravilhas

meu país de vidro
vibra dentro
fibra de fumaça
vento

faz tempo que palavras sangram
periferias
enchentes
vazantes

meu país de amplitudes
ácida desventura
sobre a gente ameríndia

despontos cardeais
entortam bússolas

no centro a capital ilha-se

nas margens a vida escorrega

meu país de intransparências
ferve febre nudez natalina

é verão sob linhas imaginárias

banhemo-nos

Rubens da Cunha

o encontro

Hoje, casualmente, encontrei o blog Insonia, com uma excelente resenha sobre o livro "Quarenta Romances de Cavalaria e outros poemas", de Frederico Mira George.

Aqui o blog Saudades de Antero, do Frederico, para quem quiser se perder/achar numa poesia surpreendente.

05 dezembro 2006

Este é um dos meus poemas participantes do Livro "Cordames & Cordoalhas", criado para o 8º ato do livro: a morte.

Nada de ponte,
luz, túnel.
Penso gaviões,
tartarugas,

elefantes.

Animais são evoluções.

São eles que nos levam
para o outro lado.

Nada de construções humanas,

de campos limpinhos e jardinados.
Penso Amazônia,
Saahra,

geleiras do norte e do sul.
Nas estepes.

No Everest.

É para lá que as almas seguem.

Nada de nuvem,
anjos imberbes,

um velho senhor
sentado nas alturas.
Penso sangue,
tornado,

caverna,
magma.

Deus está nos quentes,
nos vermelhos escuros
que precedem a morte.

Nada de lágrimas.
Penso neblinas.

Nada de luto.
Penso alfabetos
recitados por crianças.

Nada de morte
penso avessos,
costura de veias,
verberações inquietas.

Os sempres é que nos anseiam
depois de finda a respiração.

® Rubens da Cunha

No livro "Cordames & Cordoalhas" esse poema com ilustração de Regina Marcis. Bem over e cristã, como eu gosto...



Cordames & Cordoalhas




Cordames & Cordoalhas é um projeto poético do Grupo Zaragata.
O processo de construção do livro deu-se da seguinte forma:
- num primeiro momento, dividimos a vida em 8 fases: do nascimento à morte, depois os poemas foram feitos para cada fase tendo como elemento metafórico principa a CORDA.
- após isso, os poemas selecionados foram entregues aos artistas plásticos da cidade que produziram as ilustrações.
Assim, não é apenas uma antologia ilustrada dos principais poetas da cidade, mas um livro que envolveu o talento de 25 artistas envolvidos com o projeto por mais de um ano.

Um poema meu ilustrado por Isabel Rolim


um poema de Ramone Abreu Amado ilustrado por Regina Marcis


O livro:
19 x 28 cm
papel 210 g
R$ 30,00