23 junho 2009

Tragédias breves e anônimas 2 - Bodas de Ouro

Mente, velha! Diz que nada está apodrecendo e caindo. Mente! Diz que nos adianta essa tua cara esticada à faca, esse meu tesão levantado à pílula. Mente, velha! Diz que ainda somos feitos da carne nova que nos fez tão felizes.

18 junho 2009

Tiago e Iara

Eu e Clotilde Zingali publicamos uma novela em 8 capítulos no Jornal A Notícia. Utilizamos nossos espaços de crônicas e demos vida a Tiago e Iara.

No blog da Clotilde - http://clotildezingali.blogspot.com/ - os oito capítulos dessa experiência que nos alegrou bastante. Aos que aqui se hospedarem, convido para uma visita ao blog de Clotilde.

17 junho 2009

Capítulo VI

Sabe nada do mundo lá fora.
O teu pai sumiu nesse mato.

Ele nunca teve vontade de conhecer o outro lado. Às vezes fica em pé, bem no meio do roçado.

Gira em torno de si mesmo e observa tudo ao seu redor.

Nasceucresceu preso nessa jaula de montanhas.

Passa as mãos pelo nariz, nas orelhas. Ali queima alguma diferença.

Ô mãe, porque eu tenho essa cara de bicho?
Que cara de bicho, meu filho! onde já se viu isso?

Eu vi. Quando fui tirar água do poço. Lá embaixo não apareceu um homem.

Apareceu um bicho. E essa vontade que eu tenho de andar com as mãos no chão? E essa orelha pontuda? E esse agarramento que eu tenho com as crias aqui do sítio? Fala mãe, fala pra mim de quem eu sou filho?

13 junho 2009

Tragédias breves e anônimas 1 - Irmãos

- Desce daí…
- Vem me tirar se você é homem.

No velório do irmão mais novo:
- Desculpa mãe, mas foi ele quem me provocou.

07 junho 2009

Capítulo V

O tempo se encarrega dos gemidos.

A mulher vez ou outra olha a saída.

Poderia ir. Deus ia me ajudar. Fugia daqui. Velha demais. O marido foi.

Ela olha os pés. Gravetos de carne frouxa.
Prepara o pão de milho. Tudo feito ali. Tudo feio nesse buraco ilha.
Certa vez comeu pão branco. De trigo.

Sonha ainda.

O filho cuida da roça.
Anda cada vez mais torto.
Não só as costas.

Ontem veio dizendo que a terra o chama todos os dias, por isso tem que andar de quatro, para por os ouvidos mais perto do chão.

Não posso perder, mãe, não posso perder o chamado da terra.