16 junho 2010

reverberam em mim pedras, anzois, aguilhões
tenho erros e vísceras,
tenho materia mas me faltam penhascos

é o medo de ficar oco
de partilhar sombras e rasos

sou um mamífero,
melhor, inseto,
melhor, peixe qualquer dentro de um rio poluído,

daqueles que geram admiração nos passantes:
param a beira do rio e pronunciam:
pobrezinho, nada feliz no rio que imundamos.

Dou saltinhos por sobre a água
e agradeço à breve contemplação humana.

02 junho 2010


O beijo que me deram trazia dentro um pranto, um toldo verde, argúcias. O beijo que me deram fez-se permanência, astuta enzima por dentro da boca. Cuspo fora o beijo que me deram. Talvez ainda reste algum tempo de espera, algum tempo para ficar diante do espelho sonâmbulo. Tenho a boca macerada pelo beijo que me deram. Tenho a memória massacrada também: primeiro a mão espinhando a cintura, depois o calor, depois a boca dizendo-se água e vazando sobre mim. Depois a solidão crivada.
Sou um homem triste com um beijo entravado, entrevedo, na mucosa.

Ilustração: Pablo Picasso