27 dezembro 2005

Para gritar em praça pública


tempo nenhum de silêncio

homem cântaro desencanto datas festivas

busquei em mim bueiros para escoar a dor

os jogados fora entopem meus poros

desaviso conceitos

ratanizo amigos

meu corpo não responde arquiteturas gentis

fodo desvios não depilados

sei dos enigmas

seios de plásticos e paciência

virgem no terceiro decanato

é mentira o cristal no canto da boca
visito estranhos e parentes sem ordem
desarrumo os rumos
acordo mentindo o sonho
® Rubens da Cunha
Ilustração: Gregory A. Page






22 dezembro 2005

Angústia - Mito Impreciso

1

Velejar à morte:
ilha musicada em fúria,
escopo e derrota.

Coral náufrago do nada,
anoitecerei Netuno.


2

Homem feito pedra,
Sísifo desconhecia
o céu da renúncia.

Quanto a mim, deu-se o castigo
de construir-me à desistência.


3

Pastor de visões?
No disfarce de Proteu
saber da resposta.

Se a pergunta me confessa
crucifico-me na insônia.


4

Aristeu, o traído,
arrependeu-se da dor
diante da inocência.

Em mim, Eurídice pisa
na serpente da angústia.



® Rubens da Cunha

20 dezembro 2005

chumbo


o sol
o canto da boca
as três horas que esperei

este chumbo
limbo
limo no pulmão
vem da espectativa descascada
pela facalágrima

o hoje não nasceu em mim
eu continuo vítima
da voz escorregadia do outro
Rubens da Cunha
Ilustração: Francisco Geraldo

16 dezembro 2005

Desgoverno

Eros corrói-me
Não o desejo sangue dos menores
ou o ventre púrpuro dos grandes
Eros corrói-me ácido na seda
enchente nos jardins
fogo nos eucaliptos
Aos poucos
aos pormenores da dor
Eros desgoverna o que necessito de ar





® Rubens da Cunha
do: livro inédito: Casa de Paragens.
Ilustração: Tômatsu Shômei

14 dezembro 2005

manhãquase


paredes escondem
meus estardalhaços
visgo e espasmo
desenham totens de vento
sob o lençol
eu escolhi este duro alisamento
este carinho de mãos ásperas


Rubens da Cunha
Ilustração: Victor Belém

10 dezembro 2005

Deixar



o olhar aberto revela meus abusos
Sou um homem quieto
afeito a perdas
quedas
tenho os joelhos gastos
de tanto pecado
a boca cheia de tanto prazer
Tenho as costas
maceradas no ódio
o peito vincado no amor
morro porque não quero
vivo porque me deixam






® Rubens da Cunha
Ilustração: Artur Bual

09 dezembro 2005

Noite



vasculho
embaixo das unhas
no lado direito da virilha
entre o segundo e terceiro dedo

não encontro o desejo

mas sei que me tremem seus odores
em mim são visíveis
seus muitos atalhos de cobra

por isso empenho os olhos na procura
por isso tenho a alma cega


® Rubens da Cunha
Ilustração: Alfredo Luz

07 dezembro 2005

Rapidinhas

Há um bom tempo participo de uma lista de criação literária na internet chamada Oficina de Escritores.
Um dos exercícios propostos na oficina é a criação de textos com até 120 palavras de um dia para o outro. Foram adequadamente chamados de Rapidinhas.
Agora, foi organizado um blog com as rapidinhas vencedoras.

O blog é http://rapidinha.oe.zip.net/, passa lá, você terá inúmeras surpresas.
Rubens

Autores Catarinenses: Dennis Radünz

Dennis Radünz

O mais influente e articulado dos poetas jovens que vivem em Santa Catarina. Dennis é um 'olheiro' de novos poetas (eu fui um dos seus olhados) profundamente sensível e atento. Atua como cronista no Diário Catarinense e é também editor. Autor dos livros de poemas: Exeus e Livro de Mercúrio.

numa entrevista Dennis respondeu:

O que é um bom poeta?

Dennis Radünz - É aquele que a princípio tem uma leitura da tradição da poesia e que sobre ela saiba adicionar a sua identidade. Não é aquele que apenas detém um conhecimento enciclopédico da história da literatura, mas que acrescenta um dado novo a essa tradição, ou seja, é aquele que avança, que dá nova significação para o mundo. O valor de um poeta contemporâneo é ter uma atitude abissal em termos de renovação, mesmo que isso, por limitações às vezes de formação cultural ou pelo fato de sermos brasileiros, seja relativo em termos absolutos. É preciso ter um compromisso de renovação da história da poesia pelo menos no seu nicho cultural, na sociedade, no Estado e principalmente no seu idioma. Um bom poeta é aquele que sabe se distanciar de si. De que modo? Lendo os seus antecessores, mas que ele também saiba dialogar com eles, acrescentando sua voz pessoal

Para outras peguntas e respostas clique AQUI

Poemas:

Exeus
Editora da Ufsc / Letras Contemporâneas
2ª ed. Revista e ampliada
1996, 1998




As Medulas

Arnautz vol sos chans sia ofertz
lai on doutz motz mou en agre.
Arnaut Daniel


nominar a mulher em batismo de lábios
e rebear babéis na bíblia do olhar -
não-lugar

sem sinas e sendas ou assassínios
(larvs de iras em línguas de íris:
aram-se)

sem genes de jugo ou gozo de algoz
(almas de lumes em lagunas de sons:
aluam-se)

medulas: nervuras-névoas


Habite-se

arma-se em riste
o rumo das casas:
no cume do morro, o morto
vive, porém pouco
a arcatura do osso
no humo, no gume do morro
sem autópsia nem teopsia
o morto
é
fantasia arquitetura
o corpo



Livro de Mercúrio
Ed. Letradágua
2001










Casas Noturnas (II)

a casa acesa em cinza insone
no alheio sono dos anônimos

o cisma insano de arredores
onde os ânimos são nômades

a casa ilesa em chamas some
a ânsia: ócios: coisas: nomes


Sambaqui

nos sulcos lenhosos dos corpos,
as achas, em chamas de mortos
fetos, feitos moluscos nas rochas,
ou tochas, na foz do crepúsculo:
a dor da fagulha figura nos ossos,
os olhos, em conchas: albatrozes,
botos, peixes-cofre
ou pássaros suspenso na cópula

05 dezembro 2005



















Ilustração: Edgar Degas




Sou mulher de apelos frágeis,
pêlos fáceis,
fêmea e banho.

Sou mulher de ontem.

Nos dedos: um resto de sêmen.
Nos ouvidos: um rastro de adeus.

® Rubens da Cunha

03 dezembro 2005

Delírio às dez horas da manhã ou Inverno no mundo


Estou com sonhos nos olhos. Sono às dez horas da manhã. As mãos formigam. Prenúncio de inverno durável. Estou com poeira nos dentes. Sol azul. Céu amarelo agora. Tenho dentro poemas, cartas de reconciliação, estrume seco para as plantas. Estou com gelo no peito. Dor nenhuma, que dor é coisa de homem. Sou felino nesta manhã. Leopardo e alma nesta manhã. Quero muito mais do que este dois metros cúbicos em que me enfiaram. Tanto ar, tanto fora, externo. A rua é uma esteira para exercícios. E eu aqui, estático. Estátua. Como aqueles que se pintam inteiramente e congelam-se nos sinais. Estátua respirando, olhando além dos dias. Estou com gorduras na cintura. Não me percebem mais os sentidos magros dos outros. Ausente. Assado na virilha. Dor nos rins. Estou com algemas nos tornozelos. Andar pouco, aos saltos. O frio que não cessa. Não passa. Não estabiliza, gosta mesmo é deste ir e vir. Eu também gostaria deste ir e vir. Destino não quis. Destino não aprecia viagens. Paralítico, o destino. Santo, o destino e eu tão inferno, tão pecador. Contraste. Contradigo o que digo. Sou isso mesmo, um pária, um pulha, um bom filho e excelente marido. Pai ainda não. Lembro-me de Braz, o Cubas, a miséria, o legado. O abalo na desordem natural das coisas. Estou parido em orações. Perdido como convém aos bêbados. Os cães percebem meu cheiro. Vem até mim, lambem meus pés. Bem serviço de cachorro, isso. Eu condeno a inocência do animal. Não ouso condenar a minha falta de inocência quando lambi os pés de muitos. Dinheiro, amor, atenção. Eu lambi os pés de muitos. Um afago nas costas, uma comida quente. Eu lambi os pés de muitos. Agora que sei disso, que tenho sonhos, poeira, gelo, algema, o que farei? E este amontoado, arrazoado de impropérios? Ditos, escritos, emudecidos, umidecidos nas lágrimas. O que farei? Um nuvem trouxe sombras à minha sombra. O frio continua. Em breve líquido. Estou com a vida por fazer, montar, esquadrinhar. Não sei como começar. Cego, apesar dos sonhos. Tímido, apesar do dia que amanhece. Silencio e esqueço. Sem soar trágico, pessimista, suicida, pronuncio a mim mesmo: silencio e esqueço, é o que resta.

® Rubens da Cunha

Ilustração: Pilar Reyes Noriega

Parem o mundo

O mais instigante dos poetas está na rede.

AQUI você vai ter um breve contato com C. Ronald, dono de uma obra fascinante, que vem sendo escrita desde a década de 70.

Rubens