18 junho 2015

Olhares sobre o agora

Crônica publicada em 17/06/2015 –  no Jornal A Notícia

Podemos olhar de tantas formas o nosso tempo de agora. Qual olhar vamos escolher? Qual posicionamento vamos ter diante desse mundo completamente mutável, líquido, descentrado. Falo por mim, cronista periférico que sou. Eu poderia lamentar a onda conservadora que assola a política e a religião. Poderia temer pelo futuro que me espera se essa gente deputada continuar com seus gritos estridentes, seus pais-nossos, seu apego ao discurso fácil e raso do imediatismo vingativo. Poderia temer ainda mais se esse discurso ganhar cada vez mais força. Essa gente nunca gostou dos escritores, dos artistas, nunca gostou de quem lhes expõe as fraquezas éticas. No entanto, apesar dos sustos que tal onda anda dando, ainda temos vozes bem mais resistentes, como a do Padre Julio Lancellotti que se ergue do seu dia a dia entre moradores de rua de São Paulo para reafirmar quem realmente é o Cristo. Temos ainda a voz de Eliane Brum, que se ergue do meio de um jornalismo, muitas vezes, reticente, para dizer coisas, às vezes, proibidas nas redações. São vozes e olhares de resistência e é através deles que vou olhar o nosso tempo de agora. Podemos pensar no racismo embutido em milhares de comentários nas reportagens sobre os imigrantes haitianos, assim como podemos pensar nas mensagens nazistas encontradas nas portas de banheiro das universidades e lamentar mais uma vez que nada mudou, que a falta de ética dos preconceituosos continua infringindo suas agudezas sobre aqueles que não lhes agradam. No entanto, o caminho é tortuoso, mas é para frente. O que antes era mais silêncio e invisibilidade agora é mais grito e resistência. Ainda matam muitos por sua cor, sua sexualidade, seu gênero, no entanto, cada vez mais, o nosso tempo de agora pede resistência, pede esperança. Apesar dos naufrágios com imigrantes ilegais, dos estupros em nome da religião, da aparente vitória do ódio, os afetos éticos e empáticos permanecem resistindo, sobrevivendo, e são eles que fazem o mundo um lugar possível. São eles a flor que insiste em nascer no meio do asfalto, que insiste em contradizer os que insistem em manter o mundo um lugar inviável.

Rubens da Cunha

03 junho 2015

O vazio impossível

O vazio impossível

E lá vem o vazio de novo. Poço sem água. Melhor, lá vem a aparência do vazio, pois ele é sempre uma decepção, um vácuo ilusório, porque nunca se está vazio completamente. Há sempre um preenchimento, mesmo que invisível, mesmo que intangível. Pode ser uma saudade, uma tristeza, uma lembrança remota, uma alegriazinha que permaneceu incrustada na pele. Pode ser um som da infância, um cheiro, um desejo, uma promessa que ainda não se cumpriu, pode ser qualquer agente motivador do passado, presente ou futuro. De maneira geral somos sempre preenchedores de vazio: a desilusão amorosa é ocupada por um novo amor, a derrota é ocupada pela esperança, a decepção é ocupada pelo ódio ou pelo perdão, a morte é ocupada pela dor, depois luto, depois saudade, depois esquecimento. E os vazios vãos sempre surgindo, pululando, vão sempre minando nossa sensação de completude, no entanto é esse trabalho de preencher os vazios que nos faz permanecer vivos. Na verdade, somos impossíveis ao vazio. Ele é uma presença, por certo, mas jamais consegue ser uma presença total. E os suicidas? me perguntarão, não seriam eles os que encontraram o vazio completo? Talvez. Mas acredito mais na ideia de que para eles não se tratou exatamente de vazio, mas de preenchimento, de não haver mais espaço de respiro, de vasão. Suicidas não me parecem vazios, mas cheios, repletos. É como se fossemos um vaso e que colocamos pedras, parece estar cheio, mas ainda pode-se colocar areia entre as pedras, parece estar mais cheio ainda, mas ainda é possível colocar água, tudo na tentativa de preencher os vazios que resistem. Suicidas quebraram o vaso. Talvez quem encontre o vazio total sejam as vítimas do mal de Alzheimer. O olhar perdido, no lugar da memória um buraco, a falta de percepção de si e dos outros. É o esquecimento como uma solidez, uma pedra que se disfarça de oquidão. Mas isso é uma doença, um acontecimento biológico. Se não formos atingidos por esse acontecimento e também se não quebrarmos o vaso que somos, o vazio será sempre uma ilusão de vazio. Por isso é preciso aprender a conviver com ele, jogar seu jogo e, à medida do possível, desrespeitar suas regras, desmacará-lo como a farsa que é.