Crônica publicada em 17/06/2015 – no Jornal A Notícia
Podemos olhar de tantas formas o
nosso tempo de agora. Qual olhar vamos escolher? Qual posicionamento
vamos ter diante desse mundo completamente mutável, líquido,
descentrado. Falo por mim, cronista periférico que sou. Eu poderia
lamentar a onda conservadora que assola a política e a religião. Poderia
temer pelo futuro que me espera se essa gente deputada continuar com
seus gritos estridentes, seus pais-nossos, seu apego ao discurso fácil e
raso do imediatismo vingativo. Poderia temer ainda mais se esse
discurso ganhar cada vez mais força. Essa gente nunca gostou dos
escritores, dos artistas, nunca gostou de quem lhes expõe as fraquezas
éticas. No entanto, apesar dos sustos que tal onda anda dando, ainda
temos vozes bem mais resistentes, como a do Padre Julio Lancellotti que
se ergue do seu dia a dia entre moradores de rua de São Paulo para
reafirmar quem realmente é o Cristo. Temos ainda a voz de Eliane Brum,
que se ergue do meio de um jornalismo, muitas vezes, reticente, para
dizer coisas, às vezes, proibidas nas redações. São vozes e olhares de
resistência e é através deles que vou olhar o nosso tempo de agora.
Podemos pensar no racismo embutido em milhares de comentários nas
reportagens sobre os imigrantes haitianos, assim como podemos pensar nas
mensagens nazistas encontradas nas portas de banheiro das universidades
e lamentar mais uma vez que nada mudou, que a falta de ética dos
preconceituosos continua infringindo suas agudezas sobre aqueles que não
lhes agradam. No entanto, o caminho é tortuoso, mas é para frente. O
que antes era mais silêncio e invisibilidade agora é mais grito e
resistência. Ainda matam muitos por sua cor, sua sexualidade, seu
gênero, no entanto, cada vez mais, o nosso tempo de agora pede resistência, pede
esperança. Apesar dos naufrágios com imigrantes ilegais, dos estupros em
nome da religião, da aparente vitória do ódio, os afetos éticos e
empáticos permanecem resistindo, sobrevivendo, e são eles que fazem o
mundo um lugar possível. São eles a flor que insiste em nascer no meio
do asfalto, que insiste em contradizer os que insistem em manter o mundo
um lugar inviável.
Rubens da Cunha
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