O
vazio impossível
E lá vem o vazio de novo. Poço sem água. Melhor, lá vem a
aparência do vazio, pois ele é sempre uma decepção, um vácuo
ilusório, porque nunca se está vazio completamente. Há sempre um
preenchimento, mesmo que invisível, mesmo que intangível. Pode ser
uma saudade, uma tristeza, uma lembrança remota, uma alegriazinha
que permaneceu incrustada na pele. Pode ser um som da infância, um
cheiro, um desejo, uma promessa que ainda não se cumpriu, pode ser
qualquer agente motivador do passado, presente ou futuro. De maneira
geral somos sempre preenchedores de vazio: a desilusão amorosa é
ocupada por um novo amor, a derrota é ocupada pela esperança, a
decepção é ocupada pelo ódio ou pelo perdão, a morte é ocupada
pela dor, depois luto, depois saudade, depois esquecimento. E os
vazios vãos sempre surgindo, pululando, vão sempre minando nossa
sensação de completude, no entanto é esse trabalho de preencher os
vazios que nos faz permanecer vivos. Na verdade, somos impossíveis
ao vazio. Ele é uma presença, por certo, mas jamais consegue ser
uma presença total. E os suicidas? me perguntarão, não seriam eles
os que encontraram o vazio completo? Talvez. Mas acredito mais na
ideia de que para eles não se tratou exatamente de vazio, mas de
preenchimento, de não haver mais espaço de respiro, de vasão.
Suicidas não me parecem vazios, mas cheios, repletos. É como se
fossemos um vaso e que colocamos pedras, parece estar cheio, mas
ainda pode-se colocar areia entre as pedras, parece estar mais cheio
ainda, mas ainda é possível colocar água, tudo na tentativa de
preencher os vazios que resistem. Suicidas quebraram o vaso. Talvez
quem encontre o vazio total sejam as vítimas do mal de Alzheimer. O
olhar perdido, no lugar da memória um buraco, a falta de percepção
de si e dos outros. É o esquecimento como uma solidez, uma pedra que
se disfarça de oquidão. Mas isso é uma doença, um acontecimento
biológico. Se não formos atingidos por esse acontecimento e também
se não quebrarmos o vaso que somos, o vazio será sempre uma ilusão
de vazio. Por isso é preciso aprender a conviver com ele, jogar seu
jogo e, à medida do possível, desrespeitar suas regras,
desmacará-lo como a farsa que é.
Nenhum comentário:
Postar um comentário