23 fevereiro 2012
a pedra abstrata
ele trata a questão como se fosse penugem de dor
o peito abstraindo-se
cozinhando remorso em areia
ele campeia seus músculos, ossos, nervos na busca de algo que lhe faça homem
não esse homem que todos conhecem
outro
mais capaz de acelerar a concretude de fazer os gritos necessários
um homem totem de carne
sem a pedra, sem o caos habitual que definha seu futuro
um homem desnudo
desmascarado
só
mas a pedra abstrata não abstrai-se
continua sem trégua sobre o peito
as saídas apontadas sonharam-se vãs
o que tem é falta de ar
falta de olhar e micoses nas dobras
e a pedra
a pedra que cresce a cada dia
e que já esmaga o estômago e a boca.
07 fevereiro 2012
O reparador
Amor novo. Ele mentiu-se reparador de tudo.
Ela, claro, aproveitou:
lâmpadas, chuveiros, pias, bacios de banheiro, portas, janelas e paredes.
Ele, no começo, não reclamava, pois ela sempre o amaciava antes com um amor de coxas, uma boca mais atenta, um gemido mais dentro. Reparou a casa da sogra, da madrasta, da tia com parkinson, da vizinha virgem e de quem mais ela pediu.
Um dia ele disse que estava cansado, que não queria atravessar a cidade para reparar a casa da prima em terceiro grau.
Ela, claro, amuou. Salgou demais a comida, manchou sua melhor camisa, negou-lhe os gemidos de que tanto gostava.
Por fim, ele atravessou a cidade para reparar as coisas da prima. Não voltou mais.
Eulália, a prima em terceiro grau de seu antigo amor, tinha artimanhas bem mais intensas e não lhe cobrava pelos serviços. Dizia que homem seu não iria fazer coisas inúteis.
Até onde se sabe continuam se amando sob as goteiras.