22 fevereiro 2007

Confissão

Minha avó dizia que precisava ir no médico da pelha. Na fala dos antigamentes pele era esta coisa atravessada por um erro de pronúncia: ora mudo, desimportante, lavável, feito sujeira, ora câncer, mancha, cicatriz desafiadora do sentido.Oferenda ao riso. Minha avó também dizia tu não acardita meu filho e eu não acreditava que a a palavra acreditar pudesse ser tão surpresa, porque nascida daquela boca analfabeta e vinda tão cheia de crença e fé, porque de minha vó nunca tive outra coisa, somente palavras pronunciadas de acordo com sua sabedoria anônima. E eu? Mergulhado que sou no mundo das palavras que coragem tenho para quebrá-las, desritimá-las ao ponto da dor? Pouca, pois o que faço é pensado. Quisera mesmo ser igual a minha avó: dizer o indizível e fazer os netos obedecerem cegamente. Nem filhos tenho para acarditarem em mim ou colherem verdades na minha pelha.
® Rubens da Cunha

10 comentários:

Ricardo Mainieri disse...

Rubens :

Guimarães Rosa colheu estas flores brutas da linguagem e criou uma estética nova.
Por que não emprestarmos nossa voz ao povo que tem "menas" cultura, mas imensa sabedoria...

Abs.

Ricardo Mainieri

Claudio Eugenio Luz disse...

Meu caro, simplesmente arrasador o texto!Não existe uma só pessoa no mundo que não tenha cultura ou sabedoria - seu avó possuia ambos e tu, meu caro de alma sensivel, as mesmas qualidades ao resgatar na memória e transformar a vida em literatura.

hábraços

douglas D. disse...

confissões assim, crescem-nos...
também não tenho filhos, ou netos.
e das palavras, busco a pele...

Anônimo disse...

aqui.. ao passar.. deixo um rastro de confissões inconfesas.. e minha alma. toda. Ana

25 de fevereiro

Anônimo disse...

vim encontrar joinville do outro lado do click. como também diz a avó: o mundo é mesmo pequeno, e aqui muito mais. A minha também diz acardita e é lindo.

Lua em Libra disse...

Eu acardito na tua vó. Sob as pellas dela se curavam as melhores das palavras.

Fabio Rocha disse...

Belo pensamento

Ricardo Imaeda disse...

belo texto e bela página.
que bom conhecê-los.
um abraço.

[jb] jotabê disse...

alguns pais-nossos e algumas vigílias na Lua, poderão remir-te (remir-me? remir-lhe?)

(rema o quê, meu filho?)

[jb]

H disse...

Pudéssemos recuperar essa ingênua delícia de sermos, por vezes, ignorantes no sentido de desconhecer.. tudo seria mais "incrível".

Abraço tua poesia com a minha
Hermes