08 agosto 2011

Poço. Pai

Poço. Pai.
(E demais memórias inventadas)

Ajoelhado,
à beira do poço,
o menino narcisa-se.

Mais do que um menino-narciso que ficava à beira do já feito, ele, junto com o pai, cavou seu próprio poço.
Lembra-se com candura: primeiro, o pai precisava saber por onde a água passava, qual o caminho secreto que ela tinha abaixo dos seus pés. Para isso chamava-se o Seu Lolo, que andava em todo o terreno com a forquilha na mão e ali, num canto qualquer do pasto, como que por milagre, aquele galho de árvore, fino, desprovido de qualquer força aparente, vergava-se em direção à terra, e dava a convicção ao Seu Lolo: pode cavar aqui.
– É de certeza, Seu Lolo? – O pai ainda duvidava, adulto. Ele não!
– Vamos cavar aqui, pai. – Não viu a forquilha quase sair da mão do Seu Lolo, tanta força fez para o chão. Tem água lá embaixo, sim.
O pai, quase bronqueado pela insistência do filho, por fim aceitava, e começavam a cavar.
Primeiro, a terra mole, escura, alimento para a grama do pasto, depois algo mais seco, arenoso. Seguiam cavando, cavando. A terra ia mudando. O fascínio ia crescendo à medida que encontravam folhas, gravetos, vestígios de tempos mais do que antigos.
– Já imaginou, pai, se a gente achasse um dinossauro?
– E lá isso existe? Nesse barro mole, tu só vai encontrar é folha morta mesmo.
E seguiam cavando. A umidade já aparecia na parede do poço, logo chegariam à água sagrada. Logo se confirmaria a ciência do Seu Lolo.
– Onde será que ele aprendeu a fazer, pai? Esse negócio de achar água assim, com a forquilha.
– Coisa dos antigamente, meu filho.
– Mas o senhor já tentou?
– Tem que ter o dom, ter o dom. Teu avô não tinha, eu não tenho, é bem capaz de tu também não ter.
E seguiam cavando. Ele um pouco mais triste, não ia ter o dom de achar água. Depois, um terreno argiloso. Esquecia um pouco do poço e ia ser escultor. A argila tornava-se barco, patos, cachorros, pessoas. Ria da feiúra de seus bonecos. Queria mesmo era cavar o poço, encontrar a água.
– Logo a gente chega no veio d’água, pode deixá!
E o pai cumpria o dito:
– Opa, chegamo!
Aos poucos, a água nascia, misturava-se ao barro, vinha subindo, suja, mas viva, dando razão à certeza do Seu Lolo.
– Amanhã tá cheio, aí a gente já pode ver se a água é boa mesmo.
Desde então, sempre vai ver o poço, ver se a água continuava presa e límpida espelhando-o viver.



Escrito num fim de verão, em 2008

7 comentários:

pedro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
pedro disse...

Rubens, sou dos que preferem poesia à prosa, mas essa sua bem me agradou. Parabéns. Possa o poço de tua literatura, como aquele do Livro das Mutações, ser boa fonte de alimento.

Hélio Jorge Cordeiro disse...

Rubens, esta é uma boa maneira de se olhar nas profundezas do presente, sem ter se afogar no no raso do passado.
abçs
Hélio

Elimacuxi disse...

ê Rubens... que versatilidade a tua.
Esse teu texto é de uma delicadeza que só a memória da infância contém. Interessante que tua prosa seja tão mais suave que tua poesia. Gosto de ambas. Um abraço amazônico.

Cláudio B. Carlos disse...

Belo texto.

Grande abraço.

Rosane Magaly Martins disse...

Surpreenda-me sempre, como hoje e suas possibilidades. Beijos imensos afogados e espelhados

beneditocglima disse...

muito ewcelenbte este espaço.parabéns pela grandiosidade da obra.Aproveito para informar-lhe que estoui com novo email beneditocglimma@yahoo.com.br.Pode enviar me material,noticias etc que colocarei em meus blogs.obrigado