31 março 2006

Três


Açougueiro, mato porcos. Enchi. Preciso de espaço. Amolo a faca no rebolo antigo. Enfio abaixo da minha costela esquerda. Atrapalho-me um pouco no corte circular. Nos porcos, esvaziar é mais fácil, estão pendurados, basta um corte reto, de alto a baixo e o vazio acontece. Eu estou em pé, meio curvado. Com calma, corto toda a barriga. Pelo buraco, retiro o estômago, intestinos, fígado, rins e demais quinquilharias. Puxo os pulmões e, com certa agressividade, o coração. Costuro a barriga de volta. Retorno bem mais leve ao trabalho.
Rubens da Cunha
Ilustração: Jane Alexander

7 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

"mortal..." de belo.

Anônimo disse...

as visceras não me pesariam tanto...o coração me faria muita falta sabe... meu cérebro não viveria sem ele... um beijo
ah lembrei duma poesia do Maiakóvski que adoro: Comigo a anatomia ficou louca. Sou todo coração" (mas eu não sou! não sou e não sou!)

Claudio Eugenio Luz disse...

Caro, penso que sua estória pode ter uma leitura dupla; em ambos, o beco é sem saída e o final, embora menos traumático, deixa as margens abertas para outras constatações. Gosto disso.

hábraços

claudio

Anônimo disse...

Camarada, atordoador o texto: muito bom mesmo! Queria te linkar em meu blog, tudo bem?

Anônimo disse...

uau! ma-ra-vi-lho-so! bravíssimo, meu amigo.
um beijo grande.

Lucimar Justino disse...

Identifiquei-me muito!!!hahahaha!!! Dá vontade de fazer isso, é isso que faço às vezes...

Caro Rubens, obrigado por apreciar os micropoemas.

Abração!!!

Anônimo disse...

alivianar ônus. deshechar o que é lastro. não só para continuar.. senão para voltar a partir