27 janeiro 2006


Certa vez ele pediu:
- Casa comigo, não sei viver sem você.
- Não posso, porque eu sei viver sem você.

Deveria ter ido embora, abandonado tudo, buscado amor em corpo mais fácil. Incapaz de ser razão. Incapaz, foi ficando, vinha sempre que ela o chamava:
- Preciso de ti, hoje. Não falte.
Enquanto caminhava para mais um encontro feito apenas de suor e carne, se prometia nunca mais, última vez, amor próprio, chegar lá e dizer todas as verdades engatadas na garganta, chegar lá e dispensá-la, ausentar-se, mas quando recebia nos olhos a nudez, o maravilhamento de tê-la em suspenso, esquecia o ensaio, esquecia-se homem usado. Sempre tão poucos estes momentos, não os jogaria fora com orgulhos desnecessários. Foi assim desde que ele a conheceu. O mesmo jogo, as mesmas ordens coordenando a ação. O sempre inútil ensaio de palavras ríspidas que diria quando a visse. Discurso derruído ante a visão. Jeito pouco de calar o medo.

O calor vinha se acumulando durante toda a semana, mas naquele dia estava insuportável. Tinha recebido mais um telefonema dela:
- Vem, traz gelo e loucura. Estou precisando.
Como sempre havia cumprido o ritual. Ensaiou negativas, desvios, atrasos, não idas, fugas. Chegou na hora marcada. Nas mãos, um pacote de gelo e sofreguidão, dedos ágeis que ela elogiava, a língua por trás da orelha, o amor colado na parede, amaram-se fogo, aceitando o calor do dia, solarizando-se no que tinha que ser, vestindo-se de gelo para que a carne agüentasse, gemendo, desidratando-se, tratando o que podiam de prazer. O gozo correndo os poros, o calor, o calor, o gelo, o suor, as múltiplas carícias, os movimentos, os gemidos já crescidos, gritos agora, o esvair-se. Ela o olhou agradecida. Ele traduziu este olhar como uma declaração de amor. Ele a viu aberta. Disse calmo, pois gostava das palavras:
- Eu te amo.
Ela, adormecendo e fechando-se de novo, despediu-se:
- Tudo bem, não faz mal.

® Rubens da Cunha

Ilustração: Juarez Machado








6 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

...brilhante....!

Anônimo disse...

PUTAMERDAA!

Anônimo disse...

áááh! Rubens!
Assim eu sofro demais...
Textolindo!!!!!
Adorei

Anônimo disse...

Lindo demais Rubens Me parece que ja havia lido em algum lugar. Na lista? Mas vc andou mexendo. Tá maravilhoso
beijinho inquieta

Claudio Eugenio Luz disse...

Caro, situações extremas conduzindo as pessoas em direções justapostas. Excelente e angustiante.
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hábraços saudosos
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claudio

Tetsuo Takita disse...

sensual e tocante forte e passional