27 agosto 2005

Escritores catarinenses: Fernando José Karl

Ao Fernando eu devo uma gratidão: foi ele quem me tirou do rame-rame adolescente e romântico e me apresentou ao mundo devasso das palavras. Depois que fiz uma oficina com ele, o meu universo poético expandiu-se consideralvelmente. Trata-se de um dos poetas mais produtivos do estado. É um destes escritores com digitais evidentes. Um poema de Fernando só pode ser dele. Sua poética não deixa dúvidas: está sempre envolta em susto e delicadeza.

Fernando Jose Karl: Nasceu em 1961. Tem 12 livros publicados.

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MANHÃ DE SOL PARA FEDERICO

O sol, na manhã lavada, é a sombra de Deus.
Ficamos ali vendo as mulheres

mergulharem no oceano para esquecer,
enquanto nos teus olhos li que

a morte é a única sombra:
manhã com céu a incendeia.

Há no céu imensas curvas de cristal,
e na cama os esqualos, faltasse água,

morreriam à luz seca do meio-dia.
Por isto fomos ao oceano com baldes de alumínio

caçar águas.

® Fernando José Karl
in: Desenhos Mínimos de Rios
Secretaria do Estado da Cultura - PR - 1997

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TRAVESSEIRO DE PEDRA - OPUS 2

Vista de lado é pedra antiga
que não perde o perfume,
embora o vento fustigue as bordas duras onde adormeço.
De frente, o travesseiro de pedra

é retângulo sumério - polido - fascinado
pelas voltagens nuas da primavera.
Se o tenho sob a cabeça ventilada de árvores,
o travesseiro de pedra revela-se santo,

posto que não é só de pedra,
nem serve apenas de travesseiro, antes alivia,
com sua imagem, todo cansaço inútil.

Assim como está, travesseiro entre goiabeiras,
é tudo o que tenho nesta manhã de verão
em que a infância faz sombra em meus olhos.

® Fernando José Karl
in: Travesseiro de Pedra
FCC Edições. 2000

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MANHÃS, CAVALOS

Sou triste
não posso estar nos cavalos
quando chove

Eu também vi
no dorso dos cavalos
a chuva esquecer de si

® Fernando José Karl
in:
Brisa em Bizâncio
Travessa dos Editores - 2002


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O SOL


O atirador de facas mora na rua Vernanhein, 33. Casa tosca. Prato na pia. Chinelos atirados no canto e o ventilador incomoda as moscas.
À noite, sai para atirar facas em moças que depois leva para casa, cura com ervas e beijos nas chagas, e as ama no assoalho.
Quando preso, dirá que fazia aquilo por causa do sol.

® Fernando José Karl
In: Caderno de Mistérios
Editora Letradágua. 2001

2 comentários:

Helena disse...

Coisa mais danada de linda! Belo poeta este. Como você. Cada vez melhor seu blog.

beijão,

Mhel

Ricardo Mainieri disse...

Poeta dos melhores, mesmo.
Vc. foi inteligente em mostrar o crescimento literário dele.
Dos primeiros livros notei o cuidado com a palavra certa, o corte abrupto da estrofe que segue-se na outra.
Depois a poesia mais minimalista, da qual sou apreciador confesso.
Por fim, o mini-conto irrepreensível.Vai ser sucinto lá...em Santa Catarina.
Tenho como vc. esta vontade de divulgar as pessoas e boas coisas da Terra.
Prossiga!!!

Abraço.

Ricardo Mainieri