02 junho 2010


O beijo que me deram trazia dentro um pranto, um toldo verde, argúcias. O beijo que me deram fez-se permanência, astuta enzima por dentro da boca. Cuspo fora o beijo que me deram. Talvez ainda reste algum tempo de espera, algum tempo para ficar diante do espelho sonâmbulo. Tenho a boca macerada pelo beijo que me deram. Tenho a memória massacrada também: primeiro a mão espinhando a cintura, depois o calor, depois a boca dizendo-se água e vazando sobre mim. Depois a solidão crivada.
Sou um homem triste com um beijo entravado, entrevedo, na mucosa.

Ilustração: Pablo Picasso

8 comentários:

ítalo puccini disse...

o beijo corrói.

muito, muito bom, rubens!

quando vem um livro de narrativas curtas assim, ã, ã??

:))

Maurélio disse...

Fantástico, profundo e maravilhoso texto poético.
Abraços poeta Rubens

Elimacuxi disse...

Nunca me arrependo de vir aqui. Gosto dessa sensibilidade crua, dessa cane viva pulsando sob tuas palavras. Tu tens uma intensidade que me comove. Nas palavras - gotas, nos poemas-poças vejo o teu sangue manchando solenemente esse blog. E me gusta!

jorge vicente disse...

ainda bem que adoro beijos!

um grande abraço, amigo!
jorge

Pedro Pan disse...

, beijo de fica corroendo... a mémoria, o sabor...
, abraços meus!

Viviane disse...

A dor é maior por ele ser único, talvez irrepetível.

Desafetos do coração.

De fato, tua poesia irrompe.

Dira disse...

o beijo, a espera, a saudade, isso tudo me deixa mais velha e mais funda, quando o dia é ontem e o qdo o futuro é um quarto de janelas fechada chovendo lá fora. que bom chegar aqui.

www.diravieira.zip.net

Fá menor disse...

Como um beijo pode ferir ou doer!

Bom reler-te!

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