19 janeiro 2009

Artigo - Anexo Ideias

Regina Carvalho escreveu no Anexo Ideias sobre Vertebrais.

A poesia por inteiro

DE CRONISTA PARA CRONISTA: REGINA CARVALHO ESCREVE PARA RUBENS DA CUNHA

Rubens da Cunha nasceu em Joinville, onde mora e trabalha. Ele é o cronista de quarta-feira no jornal “A Notícia”. Formou-se em letras – português e, este ano, começa o mestrado em literatura na Universidade Federal de Santa Catarina. Tem outro livro de poemas (em prosa) publicado pela Editora da UFSC, “Casa de Paragens”, o mesmo nome de seu blog. E um de crônicas, “Aço e Nada”, pela Design, de Jaraguá do Sul. Participante do Grupo Zaragata, de Joinville, já foi um dos coordenadores do grupo, mas abandonou tal atividade há pouco tempo.
Em “Vertebrais”, de 2008, belamente apresentado em caixa, com 15 livretos e ilustrações muito significativas, Rubens confirma que é um poeta que não tem medo das palavras. Com isso, corrobora a máxima de Stéphane Mallarmé, tão repetida, de que um poema não se faz com ideias, mas com palavras.
Até mesmo com as “malas palabras”, aquela que a hipocrisia humana risca do texto escrito sempre que pode, embora as utilize largamente na fala cotidiana. Ele se dá bem, usando-as de seu próprio jeito, inserindo-as no discurso poético com a maior naturalidade, embora essa mesma naturalidade cause o estranhamento poético necessário. Senão, vejamos: “O tempo fodeu janeiro”, “eu sigo a não dança dos putos”, “fodo desvios não depilados”.
Esse mesmo trato familiar e descontraído com as palavras permite mudá-las da categoria gramatical a que pertencem, e contrabandeá-las eficientemente para outra. Ou, então, emenda e desemenda umas nas outras, dando novos significados e extraindo novos sons, com uma força inesperada. E com uma sonoridade fantástica, que nos faz pensar nos velhos e áureos tempos em que poemas eram ditos ou cantados ao som da lira.
No primeiro caso, “O sol gaivota o tempo", "Antes que o sono senzale meus olhos, "desencarno/e pássaro ao outro lado", "o outro tropeça-me”. No segundo: “...elas vermelhoenchem seu jardim", "o amor quefoiumdia", "vermemesmo", "facalágrima/silêncio-areia”. Ao lado de todo este labor/lavor formal, há ainda uma preciosidade semântica, um assumir seus ásperos fragmentos, às vezes os vergonhosos lados como pessoa, coisas que apenas um poeta sabe como dizer, e enfrenta: o que vai ser dito, e a forma de dizê-lo. De um poema em prosa: “argumentaram sobre a inquietude danosa da poesia. Eu fingi desatenção. Mas sob os pés fervilharam estiletes, sombras, víboras e versos". Rubens trafega facilmente do poema em versos para o poema em prosa, do qual Baudelaire foi e é o grande astro, com poemas que, às vezes, são quase contos, às vezes, pura poesia.
Nos dias de hoje, um poeta não pode ser poeta sem estudar – seja estudo formal, seja o informal, pela leitura dos outros poetas que existem, grandes ou não. Esta leitura em Rubens transparece em alguns brilhantes momentos – mas só serão notados como tal por outro leitor dos mesmos poetas, o grande problema dos intertextos, citações, paródias.
Gosto especialmente de dois. Em um, vejo o mais famoso haicai de Bashô, aquele que fala do sapo e de seu salto no tanque, talvez o mais traduzido, citado, até em canções populares. E a canção popular também transparece nele, pela referência a Caetano Veloso, em outra canção que não aquela cuja letra que o compositor baiano atribuiu a “The Frog”, de João Donato. Diz Rubens: “tijolo/musgo/escura água circular//vez ou outra/uma rã desastrada”.
Em outro, noto Maneca de Barros: “Agora é Deus quem joga as brasas/ Tenho o esôfago em carne viva/Sempre acredito que sejam pirilampos”. Bom demais, bom demais!* Regina Carvalho é escritora e cronista do “Anexo” de quinta-feira.

REGINA CARVAHO FLORIANÓPOLIS

2 comentários:

Ava disse...

Que encanto, receber sua visita!

E agora, vendo essa sua "folha corrida", me sinto até um tanto envergonhada...
Diante da sua grandeza poética, fico e me sinto pequenina... rs

Vale mais uma vez citar o Grande Poeta...

"Tudo vale a pena se a alma não é pequena".


Beijos e carinhos

ítalo puccini disse...

parabéns, cara!

adorei ver o texto no jornal!

abraço.