29 agosto 2006

Pequenos diálogos 1 - Os Ditadores

Roma – (talvez 44 d.C)

— Você não manda em mim.
— Mando! Eu sou tua mãe! senta e cala a boca!
— Você não manda em mim.
— Quem você pensa que é? Um pirralho, senta aí e cala a boca!
— Você não manda em mim.
— Tá bom! o que você quer pra sentar aí e calar a boca?
— Fogo.
— Pra que você quer fogo, Nero?
— Pra ensaiar uma brincadeira, você vai participar dela, tá bom?

Espanha (primavera de 1431)

— Volta aqui menino!
— Não volto!
— Vem dormir menino, para de mexer com os gatos.
— São o Demônio, mamãe!
— Tomás, você nem parece um Torquemada, vê o Demônio em tudo.
— São o Demônio, são gatos de Judeus.
— Os gatos são teus, Tomás... Vem dormir.
— Já vou, já vou...


Alemanha – 1900, Inverno

— Adolf, de novo você pôs filhotes de cachorro no forno?
— São os filhotes do vizinho. São uma raça inferior.
— Pra que isso menino? Vem limpar esta bagunça.
— Tá bom! Tá bom! eu vou, mas quando eu crescer vou ter um forno só meu. Você vai ver.
— Para de falar bobagem e limpa esta porcaria que você fez...


Iraque – Anos quarenta

— Desce daí Sadan, vai cair e se machucar, depois sou eu que vou passar trabalho.
— Os americanos tão vindo.
— Que americanos meu filho? Alá seja louvado.
— Os americanos, infiéis, corja, que venham que eu tô preparado.
— Desce já daí, ou vou chamar o teu pai.
— Depois eu desço, mãe. Agora não posso, tenho que ficar preparado para quando os americanos chegarem
— Alá, por que me deste um filho maluco?


Estados Unidos – anos quarenta
— Onde você vai, George?
— Vou pro Iraque.
— Como vai pro Iraque? Menino, isso fica do outro lado do mundo.
— Não interessa, tenho que ir lá pegar uns caras.
— George, sossega menino, que caras, você nunca saiu do Texas, quer ir para o Iraque?
— Deixa mãe, eu preciso ir lá. Detonar, arrasar, massacrar. Foder com a vida deles.
— Que isso menino? Já pro quarto. Onde já se viu falar assim com a tua mãe. Anda. E de lá não sai até eu chamar. E vai lavar essa boca. Onde já se viu?
— Eu vou, mas quando você menos esperar eu to lá no Iraque fazendo o que um xerife tem que fazer.

® Rubens da Cunha
Inspirado nisto AQUI

10 comentários:

Claudio Eugenio Luz disse...

Posso lhe dizer, os grandes pesadelos começam na mais tenra idade. Muito bom!!!

hábraços

ítalo puccini disse...

Arnaldo Antunes é formidável em suas composições!
E vc no trabalho com as palavras, a história e a literatura =)

abraço grande
Í.ta **

douglas D. disse...

Muito bom!!

Lua em Libra disse...

glups...

fiquei viajando nas conversas. Não gosto de imaginar as mães destas pestes. Não gosto. Mexeu comigo.

Bom texto, meu caro Rubens. Também o dos bichos, ah, o dos bichos !Ainda preciso te escrever sobre eles.

Abraço

Leila Silva disse...

Excelente, Rubens!

Um humor novo, não conhecia este teu lado. Fui ler a música que te inspirou, gostei também.
Beijos

Anônimo disse...

Gostoso imaginar a infância de alguns malucos. E dito assim, em diálogos, fica muito bom de ler. Parabéns, poeta! Ah, ótimo o link para a fonte de inspiração. Puxa, talvez adote no meu blog, pode? rs. Grande abraço!

ananda disse...

Adorei! Muito cómico mesmo...
Bjs

Edilson Pantoja disse...

Ei, Rubens, muito legal! Mas não faltou aí um menino saudita também dos anos quarenta?

baratas disse...

Blog legal! Parabéns.A política, se me atrai por sua importância para a vida social, também me cativa pela inesgotável mineração que nela se faz de excelentes motivos para o riso e a ironia. Há muito de exemplar nela. Saúde e paz! www.baratas2006.blogspot.com

Anônimo disse...

Uhuh tá demais.