30 janeiro 2012


hoje eu vi urubus atacando um cão morto
era a fome que eu tinha quando jovem

dentro do esôfago um bolo de desespero e saliva

havia dias em que tudo escapava
se esfarelava estômago a dentro

havia outros em que nada vazava

hoje
tudo é alimento

28 janeiro 2012

os dentes afiam-se na carne
fiam-se - brancos e imaturos -
nos esconjuros perdidos da memória

os dedos adentram a pélvis
entre um grito e outro
o ouro do gozo
afrontando
o parco pouso do pecado

a língua

- que conhece a parte de trás dos dentes e dos dedos-

também repasta-se nas
finas salivas debaixo




27 janeiro 2012

Tem pruridos, a casa
vergonhas de ausência

ela pouco se carnavalizou
tímida que é

A casa ainda está de pé
porque palavras pouco
sabem de seus corpos

palavras são crianças
entre a sodomia e
a santidade



16 novembro 2011

éguas e águas



nesse meu todo corpo
enfeixado de sodomas

sei dos alfinetes que deliram nos parques
sei das luzes baixas que acompanham bocas
sei dos vermífugos dados pela mãe

tá com bicha esse menino

se ela soubesse que a ordem ora pro nobis era outra

era outro o deus nas alturas
as hosanas nas alturas

sei ainda do escuro discurso
das éguas baias
da baixa água que circula o ventre

nada contém o destino
a mão fêmea e taciturna resvala-se reto a dentro
curva-se intestina e adormece solitária

imune a vermífugos, imune a coincidências e esperanças maternas

a mão fécula fezes fácil do destino não sonha:
insonha-se: acre e álacre




Imagem: Renné Magrite

06 outubro 2011

Eu vi o futuro

hoje
eu vi o futuro

de um lado um escritor com quatro dedos
lendo seu (meu) texto sem vírgulas e repleto de bucetas - (conchas, me disse depois um uruguaio)

de outro lado,
a pavonice dos teóricos e seus discursos pós ex pré
sufixados nas filosofias, arremessado que são (que somos) nos desvãos do discurso

hoje eu vi o futuro
de um lado a carnação caótica de um fodam-se vocês que me ouvem, eu sou escritor, eu posso vir aqui e falar as maiores inutilidades, eu posso não ter fundamento, eu tenho um texto e tenho só quatro dedos e sou publicitário e sou premiado e sou filho de escritor e sou um inferno nessa sua arrogância bem nascida

de outro
o riso amarelo dos que sabem ler, dos que sabem remexer avessos nos textos, mas jamais poderão ligar o foda-se sem que seus pares os condenem ao limbo da ingenuidade.

Nesse futuro que hoje eu vi, meu corpo era dois, duplo vórtice de um eu esmigalhado, proibido, calado à força.
Meu futuro transitou em 2 frentes, 2 pontes e eu no meio, no médio, sendo um e outro.

descendo
grau a grau
a escala dos inúteis

meu futuro visto hoje é uma nuvem tangente.

Choverá?
ou se dissipará ao primeiro sol mais forte?


27 setembro 2011

"Sim!
Eu estou tão cansado,
mas não pra dizer
que eu estou indo embora.

Talvez eu volte,
um dia eu volto"

diz uma canção da minha idade.

Venho às portas desta casa para cantá-la
velho que sou
já não entro na casa há mais de mês

ninguém deu por falta, ninguém lamuriou-se com as portas fechadas,
com o veio seco desse velho poeta

um dia eu volto,
com o casaco de general ou de doutor

com a pulhice plena dos achaques à vida, um dia eu volto,

Breton, Bataille, Blanchot - BBB institucional
o que seria de vocês se acaso tivessem uma casa virtual?
o que seria de suas velhices incômodas se raramente entrassem nela, não por que vazia, mas porque o vazio estaria em vocês, mais, c´est vous, nessa sua língua sem ser e estar.

Pronto, mais um passo dentro da casa, mais uma limpeza dos corredores, os cantos ainda sujos, um dia eu volto, um sábado qualquer eu volto para (me) limpar a casa.

08 agosto 2011

Poço. Pai

Poço. Pai.
(E demais memórias inventadas)

Ajoelhado,
à beira do poço,
o menino narcisa-se.

Mais do que um menino-narciso que ficava à beira do já feito, ele, junto com o pai, cavou seu próprio poço.
Lembra-se com candura: primeiro, o pai precisava saber por onde a água passava, qual o caminho secreto que ela tinha abaixo dos seus pés. Para isso chamava-se o Seu Lolo, que andava em todo o terreno com a forquilha na mão e ali, num canto qualquer do pasto, como que por milagre, aquele galho de árvore, fino, desprovido de qualquer força aparente, vergava-se em direção à terra, e dava a convicção ao Seu Lolo: pode cavar aqui.
– É de certeza, Seu Lolo? – O pai ainda duvidava, adulto. Ele não!
– Vamos cavar aqui, pai. – Não viu a forquilha quase sair da mão do Seu Lolo, tanta força fez para o chão. Tem água lá embaixo, sim.
O pai, quase bronqueado pela insistência do filho, por fim aceitava, e começavam a cavar.
Primeiro, a terra mole, escura, alimento para a grama do pasto, depois algo mais seco, arenoso. Seguiam cavando, cavando. A terra ia mudando. O fascínio ia crescendo à medida que encontravam folhas, gravetos, vestígios de tempos mais do que antigos.
– Já imaginou, pai, se a gente achasse um dinossauro?
– E lá isso existe? Nesse barro mole, tu só vai encontrar é folha morta mesmo.
E seguiam cavando. A umidade já aparecia na parede do poço, logo chegariam à água sagrada. Logo se confirmaria a ciência do Seu Lolo.
– Onde será que ele aprendeu a fazer, pai? Esse negócio de achar água assim, com a forquilha.
– Coisa dos antigamente, meu filho.
– Mas o senhor já tentou?
– Tem que ter o dom, ter o dom. Teu avô não tinha, eu não tenho, é bem capaz de tu também não ter.
E seguiam cavando. Ele um pouco mais triste, não ia ter o dom de achar água. Depois, um terreno argiloso. Esquecia um pouco do poço e ia ser escultor. A argila tornava-se barco, patos, cachorros, pessoas. Ria da feiúra de seus bonecos. Queria mesmo era cavar o poço, encontrar a água.
– Logo a gente chega no veio d’água, pode deixá!
E o pai cumpria o dito:
– Opa, chegamo!
Aos poucos, a água nascia, misturava-se ao barro, vinha subindo, suja, mas viva, dando razão à certeza do Seu Lolo.
– Amanhã tá cheio, aí a gente já pode ver se a água é boa mesmo.
Desde então, sempre vai ver o poço, ver se a água continuava presa e límpida espelhando-o viver.



Escrito num fim de verão, em 2008

30 julho 2011

Minhas mulheres

no corpo de minhas mulheres
um oco baixo me acontece
a milhares de anos e léguas

minhas mulheres são medusas
talvez até fossem éguas se me permitissem a rima

minhas mulheres são granfinas
suas orelhas permanecem virgens a insultos

se lhes digo putas ouvem dálias
se lhes digo cadelas ouvem mar
e olham-me com carinho, como se de carinho fossem feitas

minhas mulheres rarefeitas em miséria, em virilhas
novilhas cruciadas
carnadas para meu prazer de homem

tenho remorso por comer minhas mulheres
sem lhes temperar, sem dizer que tudo não será abandono

que o dia seguinte é um útero
um vórtice de carne e travesseiro

e que talvez suas orelhas virgens possam entender, atender a ligação

30 junho 2011

30 dias

30 cães e mães me corroeram
o esôfago: cartilagem acetinada que carrego dentro

são latidos e gemidos : meu filho meu dono meu tudo nao escape
não se perfume tanto no abandono

30 dias em que palavras foram doces amestrados
ametistas corroíras presas no jardim

30 estrangeiros estirparam meus ouvidos
e a falência de meus órgãos

sou um menino descampado
um príncipe pequeno
retificado na educação

e nos olhos ingênuos

30 maio 2011

a 3000 metros acima
cinzas sabem-se pássaros

a 3000 metros abaixo
um vulcão natimorto
atrasa-me o peito

a 3000 mil metros mais abaixo
Lúcifer goza rios de lava
e ri das passagens canceladas

18 maio 2011

A pressa

não direi que a pressa
é uma pedra

não sou Sísifo
embora pareça

a pressa me acontece
mais como a montanha:
subir e descer

a pressa é um disfarce
um silêncio em máscaras

que carrego feliz

a pressa me acontece
no lugar da perda

08 abril 2011

Pro Mittere

É longa a manhã para um homem cuja pele é promessa. É uma espécie de desvio, de rio atalho. Um atoleiro azul. Nos outonos é pior: a beleza clichê, "olha que lindo", dizem. E a manhã segue alongada pela tarde, pelo crepúsculo, pela noite imperativa das estrelas.




O homem é apenas um futuro, um arcabouço, um pro mittere que se desdobra infecundo entre a esperança e a ausência do milagre.





Ilustração: Goya

30 março 2011

El perro

I
a casa cercada por cachorros

por dentro
un perro se remorde

remorso ancestre

dos tempos em que
as quatro patas
sabiam a terra

sabiam os pelos da barriga,
do sexo, das costas.

II
a casa cerrada para os cachorros

à porta,
olham para o bípede
ladram ao traidor

el perro se ressente
senta-se no sofá
e escreve um poema elevado

homem que é

23 março 2011




a fera que me come as carnes

não tem feriado: tem fome

e tem fácil
meus pedaços nobres
a serem oferecidos às visitas

e meus miúdos
para o ensopado da segunda-feira



Ilustração: Lucian Freud

18 março 2011


439 vezes
a palavra vesga
agachou-se

acamou-se fêmea e foice

439 vezes
a palavra nesga tentou ser mais

não pode:
acalmou-se
mosca sobre a mesa

esperando a morte
vinda pela pazinha de plástico



Ilustração: Vangobot

08 março 2011

a testa do homem
é um texto de fugas

a testa do homem
testa todas as idades

permanente contexto

estrada e saída
entrada e vida

a testa do homem
é uma verdade óssea

16 fevereiro 2011

retorno
pródigo e filho
à terrapoema

retomo o perdão da palavra

ela é mãe e vaca
leite de todo jeito

remonto
as mulas que deixei
à beira do precipício

sei que estou
às vésperas de completar
a metade da vida

retorno
à casa de paragens

por mais que digam que não
um dia pode ser tarde demais

19 janeiro 2011

Porcelana

Eis que virei compositor, com direito a clipe e tudo.
Letra minha, música de Rico Vogel, o guitarrista da banda Lady Murphy

15 dezembro 2010

cinzas espinham o corpo
que frio fia-se sobre o outro

tempo dos avessos agora

a dor crespa da espera
e
a espera vesga do fim

logo ali o apocalipse
os quatro cavaleiros
e suas espadas festivas

logo ali um sol menor
mentindo-se verão

e a pele cada vez
mais branca

transparência
teu nome é o soco
que consigo pronunciar

22 novembro 2010

Dia 23/11 - Lançamento Crônica de Gatos


Reforçando o convite para o lançamento do livro "Crônica de Gatos", uma parceria minha como a ilustradora Regina Marcis

Livro: Crônicas de Gatos Local: Estação da Memória (antiga Estação Ferroviária) Rua Leite Ribeiro s/n Dia: 23 de Novembro de 2010 - a partir das 18:30h
Aguardo vocês lá

abraços
Rubens