06 maio 2015

Terceiro Elemento: Fogo

Crônica publicada no Jornal A Notícia em 06/05/2015 

 “Toda combustão acompanhada de desenvolvimento de luz, calor e, geralmente, de chamas”. Assim se estabelece a primeira das definições de fogo nos dicionários. Que outra coisa pode gerar luz, calor e chamas? Que outra coisa se presta tão prontamente a ser metáfora para a paixão, o amor descomedido ou o ódio, ou a fúria? Fogo é febre. É fome que de tudo se alimenta: madeira, plástico, ferro, carne, alma e o mais que se lhe apresenta. Fogo: parceiro quando sob controle, adestrado pelos fogões, candeeiros, lampiões, ou até mesmo no aparente caos das fogueiras festivas. O fogo assim é um tigre enjaulado, melhor, é como aqueles tigres do Zoológico Lujan, estão lá, mas não estão lá. Assim é fogo dominado por mãos humanas: fundamental para a sobrevivência, mas é uma fera enjaulada, qualquer desatenção ela pode lhe atacar, lhe arrancar um pedaço do corpo, da casa, da vida. Não por acaso, um dos sonhos das crianças é ser bombeiro, esta profissão que ataca, controla, e mata o fogo. Não por acaso bombeiros são heróis, sujeitos entregues a árdua batalha de vencer labaredas, de vencer esse símbolo do inferno. Fogo: Jano. Dois lados, se ele aquece, cozinha, ilumina, ele também queima, destrói, inferniza eternamente os pecadores. O fogo só é permitido ao olhar e ao escutar, nossos sentidos da distância. Tato, paladar lhe são completamente proibidos. Jamais teremos o fogo nas mãos, jamais saberemos qual é o gosto do fogo. Sempre há nos queimados as fortes cicatrizes dessa proibição. Quando ao olfato, também não sabemos qual é o cheiro do fogo, pois o que nos chega é o cheiro daquilo que o fogo está comendo. O cheiro do fogo em si mesmo não existe. Resta-nos apenas ver, pois até mesmo o ouvir é mais sobre os gritos do que está sendo queimado, do que do fogo propriamente dito. Vemos então, à distância, uma pequena gota amarela, que pode se transformar numa parede de chamas, num alaranjado intransponível, ardoroso, esfomeado. Vemos o fogo esplendoroso consumir-se a si mesmo, até virar brasa, esta última tentativa de resistência ígnea, e depois carvão, cinza, resto. Mas ele acaba sempre temporariamente. Em breve renascerá, seja sob o controle das mãos humanas, seja sob o descontrole dos acidentes ou da natureza. 

 Rubens da Cunha

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