30 novembro 2009

Uma vida em 13 degraus - Terceiro Degrau

Apesar do tamanho inconveniente, Ele expelia espermas demasiados. As mãos cansavam-se em esfolá-lo. Os buracos das cabras e bezerras também. Nesse degrau aprendi a gozar nos cortes. O dos porcos era melhor, macio por causa do toucinho. Eu amarrava as quatro pernas, enfiava a faca até o coração, enquanto o porco gritava e se esvaía em sangue eu O enfiava naquele corte e também me esvaía em sanguebranco. Foi nesse degrau que eu caí a primeira vez: um dia tive pena, muita pena de mim e do porco.

29 novembro 2009

Uma vida em 13 degraus - segundo degrau

Os pelos vieram. No entreaspernas Ele quase não cresceu. Passei a investigar os dos vizinhos, todos eram grandes, marrons, robustos na forma e na cor. Mas o meu não, o meu murchou-se em dobras feias, em muita pele e pouco corpo. Se Ele tivesse crescido à medida de minha inveja. Mas não, Ele ficou lá, esturricado, diminuto, brancoazedo, cruz que carreguei sempre. Degraus acima. Nesse tempo, tomei gosto pelos sapos, cobras cegas, mussuns, filhotes de passarinho. Tinham sangue, esperneavam, mas não emitiam sons quando morriam, quer dizer, menos os passarinhos, para evitar que piassem eu os entupia primeiro com areia, depois lhes abria um pequeno corte na barriga e via o sangue escorrer. Era bom. Nesse degrau eu aprendi a matar e a esporrar silenciosamente.

28 novembro 2009

Uma vida em 13 degraus

A vida é uma escada. A minha escada teve 13 degraus. Sangue, pus, babas, espermas, lágrimas, merdas, mijos e demais líquidos meus e dos meus. Todos mancharam-me os degraus, deram-me algum afinco, algum motivo. Nos próximos 13 dias vocês me lerão aqui resumido.

Aviso aos sensíveis: não foi uma vida fácil, como também não será fácil me conhecer...


Primeiro Degrau:
Eu condenava. Criança percebi isso: eu condenava. No primeiro degrau, as asas dos butucões, dos marimbondos, as cabeças dos besouros, as manchas alegrinhas e insuportáveis das joaninhas e borboletas. Eu condenava. Cada bichoinseto que eu via e conseguia capturar, requintadamente eu açoitava, depois espetava-lhes finos alfinetes, até que parassem de se mexer. Criança eu sabia que o treino deveria começar cedo, deveria começar pelo ínfimo, para depois alargar-se até o máximo, até o humano, quem sabe...

11 novembro 2009

ida e volta em três atos líricos


1
ouço a volta
a carne de pescoço
o osso buco

meu embargo nada faz
eu nado amargo no sangue

enquanto nossas bocas se cruzam
como se fossem cães, escadas,
ou venenosas bocas cristãs

2
arrependo-me de cada passo
de cada pastagem que me fiz

3
ouço a saída
herdo o dente agudo
a saliva
o sorriso malcriado

acrescento tudo
às minhas pernas domésticas
e caminho insone

cama adentro

calmo

até a próxima mentira
Ilustraçao: Alberto Giacometti

09 novembro 2009

Monica Salmaso em "Beatriz" de Chico Buarque

Eu vi ao vivo no Festival de Música de Itajaí.




Algumas cantoras saltitantes e contorcionistas deveriam passar horas ouvindo isso até aprender que para ser cantora a voz tem que ser protagonista, sempre
nada corroer
nesses dias
tímidos

a solidão
- animal inapto -
esquiva-se


e mantém a ordem
como se corpo fosse