06 janeiro 2006

C. Ronald

Marco Vasques - Anexo - Como você se sente sendo reconhecido pela crítica como "o poeta da profundidade, o poeta-filósofo, o poeta hermético" num País onde a educação é tetraplégica?

C.Ronald - Todo mundo ou chama a minha poesia de metafísica, ou de hermética ou filosófica. Se chamar de metafísica eu aceito, pois um dos maiores poetas que o mundo teve, e que foi rotulado pelo T. S. Eliot como metafísico, foi o John Donne. Então eu aceito o metafísico. O hermético? O próprio T. S. Eliot nos dá uma lição, pois ele diz que a poesia vem e prescinde de explicação. Ela nasce. Agora se é difícil de o leitor entender ou fácil, isso aí não é um problema do poeta. O texto poético, uma vez criado, é doado ao leitor, vai depender dele, da sua inteligência, da sua abertura à linguagem e ao mundo poético. Já, por outro lado, eu fico extremamente indignado quando chamam minha poesia de filosófica. Poesia e filosofia são áreas muito distintas. Muito mesmo. Isso é fruto da ignorância (e ela predomina no nosso País). Só existe uma grande filosofia num país quando existe um grande poeta; veja a filosofia grega, a latina e a alemã. O poeta é o pai da filosofia, mas sua poesia não é filosofia. O poeta é fruto da intuição e a filosofia é racionalização. A intuição poética vai precisar de reparos, de aparar as arestas, de construir uma linguagem, o poeta vai tentar direcionar sua intuição, mas jamais trabalhar só com a razão, porque a poesia morre.

Livro: Gemônias

Não digam que o limo é vegetal
quando é mais que isto nas paredes da casa.
Tanto apuramos do mito em seu alvéolo pré-histórico
e da técnica do assombro que o amor se acostuma
às manchas que o acompanham. É sempre o amor
mesmo nas partes em que não chega o sol,
É o ser na falta.

Ali medalhas pela insistência da umidade
na matéria que erigimos, pois cada dia
baixa o infinito transferindo os signos da grandeza
à soma de um gesto. O limo é vegetal embora
não tenha tronco nem pássaros, misterioso
como oráculo. O limo como o amor é a precisão
da beleza infiltrada nos olhos.

E os olhos são dos que nem sempre se abraçam;
valem algo nesse canto associado à lembrança ou
tentam de baixo o amor transformando-se e vivendo
de uma coisa velha garantida na solidão.

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